quarta-feira, 17 de março de 2010

Dom Helder: uma história de amor (final)

Além de seus inúmeros compromissos ligados às atividades religiosas, políticas e sociais, o arcebispo emérito de Olinda e Recife dom Hélder Câmara encontrou tempo para uma intensa produção artística: ele escreveu 22 livros, traduzidos para diversos idiomas, e publicou outros 34 com seus discursos.

Ele é co-autor da Sinfonia dos Dois Mundos, que já circulou o planeta em diversas apresentações; compôs mais de seis mil meditações e poemas, muitos deles reunidos no livro "Um Olhar Sobre a Cidade"; e escreveu milhares de cartas. Entre as comemorações do centenário de nascimento do arcebispo está o lançamento de uma coletânea inédita de cartas escritas por ele por ocasião do Concílio Vaticano, na década de 1960.

São 290 cartas escritas durante as sessões dos Concílios, de 1962 a 1965, as Circulares Conciliares, e 285 produzidas entre uma sessão e outra, de 1964 a 65, as Circulares Interconciliares. A correspondência está organizada em seis tomos, divididos em dois volumes e marca o profundo engajamento de Dom Hélder em defesa dos miseráveis.

A organização do material das Circulares Interconciliares ficou por conta do professor Zildo Rocha. Já as Circulares Conciliares foram organizadas pelo professor Luiz Carlos Luz Marques, que escolheu a correspondência do arcebispo como tema para seu doutorado em Bolonha, na Itália.

Os volumes serão lançados pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), numa iniciativa do Instituto Dom Hélder Câmara, com o apoio do Governo de Pernambuco. Ainda não estão confirmados data e local de lançamento – a previsão é para meados de março.

NOITADAS
O amor pelas artes acabou se integrando ao Palácio dos Manguinhos, onde o religioso morava. Era lá que aconteciam as noitadas do solar de São José, reuniões entre jovens, artistas e intelectuais na época da censura imposta pela ditadura militar. Um teatro chegou a funcionar no prédio ao lado da residência do arcebispo.

O arcebispo inspirou a criação de espetáculos fora do país. A idéia de fazer "Missa para um tempo futuro" aconteceu depous que Dom Hélder visitou uma fábrica de robôs e passou a idéia para o coreógrafo Maurice Pejard, que aceitou o desafio. A apresentação ganhou os palcos da Europa.

MÚSICA
A Sinfonia dos Dois Mundos nasceu de uma parceria entre Dom Hélder e o padre e músico suíço Pierre Kaelin, autor da cantata "Messire François", sobre São Francisco de Assis. O arcebispo contou ao padre sobre a luta pelos pobres e seu desejo de criar um mundo mais justo e humano. "Uma apresentação da sinfonia vale várias palestras minhas", afirmava ele.

Na obra, Dom Hélder recita e a orquestra executa a sinfonia composta em seis movimentos. A Sinfonia começa com um homem reconhecendo a audácia e humildade de Deus no ato da criação do mundo. No segundo movimento, o homem é escolhido para ser co-criador do mundo. No terceiro, o homem luta entre a inteligência e o egoísmo que atrapalham a vida do homem na terra. No quarto, aparece a esperança diante dos problemas do mundo. O quinto movimento mostra que a miséria causa violência. E o ato final mostra a esperança renascendo na voz das crianças.

Na década de 1980, a obra foi apresentada em países como Suíça, Alemanha, França, Itália, Canadá, Estados Unidos, Argentina e Bélgica. Foi lançada em vinil e vídeo em 1981.

A atriz pernambucana Geninha da Rosa Borges era amiga de Dom Hélder e conta que o levou para vários espetáculos de teatro. "Ele era um exemplo de como uma pessoa com o cabedal de conhecimento que ele tinha ser absolutamente simples e igual com todo mundo", afirma ela

HOMENAGEM

Além de sua produção própria, Dom Hélder também recebe homenagens no ano de seu centenário. Uma em especial da gaúcha Armia Escobar Duarte, conhecida carinhosamente como Madre Escobar, 89 anos, criadora e diretora da ONG Arraial Intercultural de Circo, o Arricirco. Amiga de Dom Hélder, Madre Escobar está em busca de patrocínio para publicar os cinco livrinhos que produziu usando frases da coletânea "Um olhar sobre a cidade", de Dom Hélder, acompanhadas de ilustrações de palhaços feitas por ela mesma.

A escolha do tema não foi aleatória. "Dom Hélder adorava o circo, se divertia muito, se interessava demais pelas crianças, ria, brincava, era feito uma criança", relata Madre Escobar. "Ele era uma santidade alegre, não tinha essas besteiras de seriedade, não. Era um santo muito up-to-date e divertido", recorda.

Cada livro tem de dez a doze páginas, como um gota-a-gota dos pensamentos do Dom. Embora ilustrados e com textos breves, os livrinhos são voltados para o público adulto. "Ele dizia muito isso: cuida da tua criança interior", lembra a autora.

"Foi uma criação muito espontânea", ela diz. Armia Escobar vinha trabalhando na produção dos dois primeiros volumes dois meses antes de viajar para a Europa em janeiro de 2009 e, chegando lá, acabou encontrando inspiração para três outros volumes, completamente diferentes - ela não revela maiores detalhes para preservar a surpresa.

A autora antecipa um pedacinho do que vem por aí: um dos volumes se chama "Se eu pudesse" e tem na capa uma ilustração feita por ela que representa "um menino com os olhos de Dom Hélder". No conteúdo, os palhacinhos acompanham citações que completam a frase-título.

BIOGRAFIA
Madre Escobar deixou a Congregação Irmãs Dorotéias, do Colégio São José, em 1994 para se dedicar aos projetos culturais e estudos, mas o título de Madre já estava irremediavelmente incorporado ao seu nome. Estudou Literatura Italiana em Detroit, Ciências da Educação, em Nova Iorque e televisão educativa na Universidade de Buenos Aires; fez mestrado em Comunicação, na Inglaterra, e estagiou em vários museus da Europa e Estados Unidos, além de se dedicar ao estudo de fotografia e marionetes na Alemanha e na França.

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