O papa Bento XVI está convidando líderes religiosos das mais diversas tradições espirituais e até homens e mulheres não crentes para, nesta quinta-feira, 27, viverem juntos um dia de reflexão e de meditação sobre a paz e a justiça, em Assis. O papa fez isso para recordar os 25 anos do primeiro encontro desse tipo, promovido pelo papa João Paulo II, em Assis (1986). Na época, João Paulo II explicou que aquele encontro inter-religioso era um modo de motivar as religiões para se empenharem mais pela causa da paz e da justiça, assunto que não é só social e político, mas profundamente espiritual.
Agora, no atual contexto da Igreja e do mundo, retomar essa iniciativa deve ter sido mais difícil ainda para o papa Bento XVI. Em um recente pronunciamento à imprensa, publicado pelo Observatore Romano, o próprio secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Bertone, ao falar desse encontro do papa em Assis, levou mais tempo em advertir sobre os riscos do relativismo e do sincretismo que esse tipo de encontro precisa evitar, do que propriamente do sentido positivo desse gesto.
Vamos falar claro: sem dúvida, o ecumenismo e o diálogo entre as religiões não avançarão a partir apenas de encontros de cúpula, sem participação direta das bases. Entretanto, seja como for, o gesto do papa em convocar e coordenar essa jornada inter-religiosa pela paz e pela justiça é sim uma profecia para as Igrejas e para o mundo atual.
Em primeiro lugar, não teria sentido o papa convidar os líderes de outras religiões para orar, se ele pensasse que essas religiões não valem nada e que sua oração é inútil ou até errada. Ao convidar pastores evangélicos, patriarcas orientais e chefes de outras religiões, como o Dalai Lama, o grande rabino de Jerusalém, sheiks muçulmanos, líderes de tradições africanas e de outras tradições espirituais, para refletir juntos sobre a paz e estar juntos para orar, o papa faz um gesto de reconhecimento do valor espiritual dessas religiões e testemunha que é importante uni-las a serviço da paz e da justiça. Este encontro em Assis revela que, cristãos e não cristãos, são chamados a viver sua fé em um mundo pluralista e na convivência com outras formas de expressar a fé. Essa convivência não põe em risco a identidade dos católicos ou dos crentes de outras tradições, mas ao contrário, enriquece a espiritualidade de cada um. É esta a profecia contida nesse gesto de Assis. Embora limitado pelas conveniências diplomáticas do poder religioso e ainda tentado pelo medo de ousar mais em nome da fé, esse gesto do papa antecipa a possibilidade de que as tradições espirituais do mundo se unam para trabalhar efetivamente pela paz e pela justiça. Orar pela paz e pela justiça pode levar os religiosos a ajudar a humanidade a compreender: para vencer as violências, as guerras e as injustiças, precisamos organizar o mundo de outro modo e a partir de outros critérios que não sejam o lucro e a competitividade. O encontro que, neste 27 de outubro, Bento XVI coordena em Assis nos chama todos nós a sermos, como os religiosos reunidos neste dia, “peregrinos da verdade, peregrinos da paz”.
Marcelo Barros
monge beneditino, teólogo e escritor
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